Num dia desses, caminhando absorto pela rua Rio de Janeiro, ouvi saindo pela janela de uma casa uma melodiosa voz feminina. Percebi num instante que há muito tempo não ouvia uma mulher cantando. Tá certo que tenho ouvido regularmente Elis Regina, Adriana Calcanhoto, Marisa Monte e especialmente Ana Carolina, de cuja voz e interpretação sou um apaixonado. Mas assim não vale. Aquele som saindo da janela, com letra errada e sem acompanhamento tinha bem mais vida. "Na madrugada a vitrola rolando, tocando dibiquing sem parar." (Eu sei, eu sei que é a letra correta é B. B. King, mas era assim que ela cantava). Chamou-me a atenção também que a música não é dessas que vivem tocando em rádios e tevês e que enchem nossos ouvidos (mesmo que não queiramos permitir) de baboseiras. A gratuidade da voz da mulher cantando enquanto fazia seu trabalho se espalhava e brindava os ouvidos dos vizinhos e dos passantes.
Não sei por que é tão significativo o som de uma mulher cantando. Por que o som da voz feminina é mais belo do que da voz masculina? De onde aprenderam afinação, divisão e interpretação? De onde sua voz aprendeu o caminho que leva do coração para a garganta? Do nosso ouvido para o coração?Acho que uma voz feminina cantando nos evoca a lembrança de doces cantigas de ninar, onde o que importa é o sentimento envolvido - e eu não conheço amor maior do que o de uma mãe com uma criança no colo. As cantigas, muitas vezes mero balbuciar de palavras, acalmam, embalam, adormecem. Nós, hoje adultos, talvez só queiramos um colo tranqüilo para dormir, uma voz suave para sonhar.
Uma mulher cantando durante o trabalho alivia o fardo do trabalho, faz o tempo passar mais rápido. (Ganharás o teu pão com o suor de teu rosto, mas não te será proibido cantar, para que a tarefa seja mais agradável).
Uma voz de mulher pronunciando palavras de amor faz com quer acreditemos que o sonho é possível, que a felicidade pode existir, que a vida é bela e que podemos suportar o peso da vida.
Mulheres, cantem! Ainda que os ventos não sejam favoráveis, cantem! Procurem as músicas dignas de serem pronunciadas pelas suas bocas. Se não as houver, murmurem os sons que saem de suas entranhas, balbucios de anjos, plenos do significado das palavras inexistentes.
Quero muito da vida, alcanço pouco e me contento com esse pouco, mas se pudesse hoje fazer um pedido seria esse: que as mulheres que estão perto de mim cantem.
PS. Obrigado aos amigos que têm lido e comentado essas crônicas. Vocês são coautores, me ajudam a acreditar que tenho algo a dizer. Espero não decepcioná-los muito.
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