Durante esse ano a escola em que trabalho foi intimada a fazer um "momento cívico". Acho isso babaquice, pois me lembra o meu tempo de estudante em plena vigência dos governos militares do Golpe de 64, quando se pregava o patriotismo vazio e conformista do "Brasil: Ame-o ou Deixe-o". Nessa época, o que se pretendia em nome do patriotismo era uma obediência cega, uma subserviência. Infelizmente, nos dias de hoje muitas pessoas têm saudades daquele tempo e alguns professores acham que faltam respeito e patriotismo para os alunos de hoje. Pode até ser, mas não vai ser pela força e pela obrigação que vão adquirir essas qualidades. Acho que a falta de compromisso, a rebeldia e o desinteresse dos alunos da atualidade são ainda um efeito da repressão política e da ideologia dos governos militares e sua pregação alienante. É uma efeito ainda prejudicial, mas não vai ser usando os mesmos métodos dos adeptos do golpe que vamos conseguir mudar isso.
Bem, mesmo não concordando muito, chegou o dia em que eu e uma turma de alunos fomos responsáveis pelo fatídico momento cívico. Foi com algum sacrifício, bastante stress e algumas alegrias que nos desincumbimos da tarefa. Segue aí um roteiro da atividade. Se alguém quiser reproduzir em algum lugar, fique à vontade, não precisa citar a fonte; mas não me responsabilizo por nada...
Tema: Cidadania e Paz
Homenagem a Dona Fia, cantineira responsável pela cozinha da escola que aposentou-se nessa semana.
Leitor 01 - Nossos dias de escola são muito significativos para nós, mesmo que nem sempre a gente perceba no dia a dia. Num futuro próximo, nos lembraremos com carinho e gratidão das horas que passamos aqui e das coisas que aprendemos. Recordaremos colegas, professores e demais funcionários da escola. Mas um canto especial de nossa memória afetiva será ocupado com pessoas também especiais que ajudaram em nosso aprendizado, que deram sustentação aos nossos dias. Queremos homenagear nesse momento as cantineiras da escola e em especial a Dona Fia, que por tanto tempo nos presenteou com seus temperos e que agora se aposentou. Como esquecer aquele cheiro que sentíamos dentro da sala de aula e que despertava nosso apetite? Como não recordar aquela comida saborosa que alimentava nosso corpo e nos dava energia para continuarmos nossas aulas? Para Dona Fia, queremos agradecer o tempo que dedicou a nós, e dizer a ela que descanse merecidamente depois de todos esses anos de trabalho. Vamos sentir saudade dela e de sua comida, mas não esqueceremos como ela aliviou nossas dificuldades com seus dons. Obrigado mais uma vez.
Fundo Musical - Jazz will eat yourself com Vanessa-Mae
Leitor 2 - O Momento cívico nos leva a refletir a nossa posição no mundo em que vivemos. Como pessoas. Como cidadãos (texto do Livro "O Cidadão de Papel de Gilberto Dimenstein)” Está aí a importância de saber direito o que é cidadania. É uma palavra usada todos os dias e tem vários sentidos. Mas hoje, significa em essência, o direito de viver decentemente. Cidadania é o direito de ter uma idéia e poder expressá-la. É poder votar em quem quiser sem constrangimento. É processar um médico que cometa um erro. É devolver um produto estragado e receber o dinheiro de volta. É o direito de ser negro sem ser discriminado, de praticar uma religião sem ser perseguido."
Leitor 3 - (continuação do texto) Há detalhes que parecem insignificantes, mas revelam estágios de cidadania: respeitar o sinal vermelho no trânsito, não jogar papel na rua, não destruir telefones públicos. Por trás desse comportamento está o respeito pela coisa pública. O direito de ter direitos é uma conquista da humanidade. Da mesma forma que a anestesia, as vacinas, o computador, a máquina de lavar, a pasta de dentes, o transplante do coração. Foi uma conquista dura. Muita gente, muita gente lutou e morreu para que tivéssemos o direito de votar. E outros batalharam para que os jovens pudessem votar aos dezesseis anos. Lutou-se pela idéia de que todos os brasileiros merecem liberdade e de que todos são iguais perante a lei. E que a lei deve existir para proteger o mais fraco e não para privilegiar o mais forte.
Trecho do poema "Há uma Criança na Rua" de Armando Tejada Gomez na voz de Isabel Ribeiro - Gravação do Grupo Raíces de América :
A esta hora exatamente há uma criança na rua.
É honra do homem proteger o que cresce,
Cuidar que não haja infância dispersa nas ruas
Evitar que naufrague seu coração de barco
Sua incrível aventura de pão e chocolate.
Transitar seus países de bandidos e tesouros
Colocando uma estrela no lugar da fome.
De outro modo é inútil ensaiar na terra
a alegria e o canto,
De outro modo é absurdo porque de nada vale
se há uma criança na rua ...
E a esta hora exatamente há uma criança na rua.
Jogral com nove alunos:
· Nesse momento crianças gritam de dor debaixo de bombardeios em Bagdá.
· A essa hora crianças choram de fome na África.
· A essa hora há crianças pedindo esmolas num semáforo do Rio de Janeiro,
· crianças desnutridas num sertão brasileiro,
· crianças doentes em pequenas cidades de Minas.
· E a essa hora, exatamente, homens que se dizem sérios, traçam seus planos loucos em busca de mais poder, de mais dinheiro.
· E vão semeando medo e insegurança. Vão espalhando a discórdia e a infelicidade.
· E acreditem; esses homens ainda conseguem dormir, porque eles acham que o perigo está longe deles...
· Mas para sorte da humanidade, em alguns lugares desse vasto mundo, nesse exato momento; com certeza, à nossa frente, em meio a vocês há pessoas que acreditam e trabalham pela paz.
Música “A Paz" de Gilberto Gil e João Donato na voz de Zizi Possi:
A paz invadindo meu coração
De repente me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde um dia não me enterro mais.
A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino a paz
Como aquela grande explosão
Um bomba sobre o Japão
Fez nascer um Japão na paz.
Eu pensei em mim eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição só a guerra faz
Nosso amor em paz.
Eu vim, vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos ais.
De repente me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde um dia não me enterro mais.
A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino a paz
Como aquela grande explosão
Um bomba sobre o Japão
Fez nascer um Japão na paz.
Eu pensei em mim eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição só a guerra faz
Nosso amor em paz.
Eu vim, vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos ais.
Leitor 3 - Com a esperança de paz no mundo e entre nós, terminamos essa hora cívica. Obrigado
Foi isso, espero ter contribuído para a formação do civismo em que acredito, aquele que valoriza as pessoas; que quer a construção de um país. Mas um um país para seu povo e não para sua elite. E de um mundo em que a autodeterminação dos povos e das pessoas seja respeitada.
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