quinta-feira, 12 de julho de 2012
Desejos - 20/05/2003
Confesso que tenho uma necessidade de escrever.
Então por que escrevo pouco? Não sei. Parece que falta assunto, parece que tenho medo de me expor. No entanto, ao começar, as coisas deslancham, me mostro, me escondo, proponho meus enigmas.
Apenas comecei a ler um livro de crônicas de Luiz Fernando Emediato (A Grande Ilusão) e despertou-me a vontade irresistível de escrever. Na verdade, nem cheguei a ler o livro. Apenas o prefácio de José Nêumanne, falando principalmente do que é uma crônica e de como os brasileiros são mestres nesse estilo. Bem, aí larguei o livro e fui para meu próprio texto, ou minha própria tela em branco aguardando minhas palavras hesitantes. Dei a ordem para meus neurônios vasculharem meu cérebro, impulsos elétricos à caça de expressões, organizações de vocábulos que traduzam meu eu, o que estive pensando nesse intervalo de tempo conhecido como vida. As idéias vão surgindo lentamente, nem sempre organizadas, como se tivesse passado o tempo fazendo pequenas anotações em algum canto da memória para usar depois e eu vou repassando o que vivi, os sentimentos que tive até pinçar algum em especial para mergulhar fundo nele, buscando pérolas e trazendo pedras.
Numa dessas manhãs friorentas, na estrada coberta de neblina, percebi que o capim jaraguá já está cheio de sementes e me lembrei que o capim gordura já abriu suas flores resinosas há muito tempo. Relembrei Almir Sater numa de suas belíssimas modas de viola: "Mais um verão já lá se vai a sumir por entre os dedos da minha mão e nada guardei pra mim" e tem mais Almir Sater: "Paixões que não deságuam no prazer são rios que cansei de percorrer..." O que fazer com o desejo que sinto? Meus amigos, envelhecer é acostumar-se com as derrotas. É adquirir o triste hábito de desistir. É conformar-se com a falta de perspectivas. Se há um Ser a quem rezar, eu peço a Ele que recolha minhas últimas esperanças e ilusões e lave de minha alma o cansaço. Não me importo com cabelos brancos e rugas. Só queria manter a alma inteira. Queria continuar sendo o Ronaldo que luta, que esperneia, que não se entrega. Mas não está fácil.
Algumas coisas ficam na nossa memória, algumas frases permanecem em algum canto de nós mesmos para aflorar em momentos determinados, como se as tivéssemos colocado em um escaninho com uma etiqueta "Para ser usado em caso de emergência". Do tempo que morei em São Paulo quando vivia à caça de música de qualidade, trago a lembrança de um disco que gostaria de ter adquirido e não houve tempo devido a outras prioridades. Era a primeira metade da década de 80 e reinavam os LP's de vinil. Eu vivia freqüentando sebos e lojas de discos alternativos. Numa dessa, conheci o som de Marco Antônio Araújo, um cara cabeludo que fazia um som instrumental progressivo com guitarras, violões e violoncelos. Era um cara desconhecido do grande público. Poucos meses depois fiquei sabendo que ele havia morrido, ainda muito jovem. Lembro-me de um disco de capa escura, com um pássaro na capa. Chamava "Quando a Sorte te Solta um Cisne na Noite". Foi essa a frase que saltou da minha caixa de emergência, me instigando, me socorrendo. E eu estou aí, olhos atentos à procura do corpo branco de um cisne contrastando com o negrume da noite. Vou tocando a minha música de sedução, entoando meu grito de guerra e sussurrando benditas palavras. (Almir Sater ainda canta: "Tanto que choveu, tanto que molhou, coração se encheu de amor e transbordou. Água que correu, ribeirão levou, foi pro oceano e lá se evaporou”.)
Ronaldo Amorim Teixeira é um homem à procura de uma esperança, à caça de um cisne. Pistas devem ser encaminhadas para ronaldoat@yahoo.com
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