Tenho me envolvido em pesquisas históricas de minha família.Uma necessidade de resgate de minha anterioridade. Uma busca de afirmação de estarmos realmente no mundo. Desde 1850 nessa região, habitando este Córrego do Ferro (ah Drummond - oitenta por cento de ferro nas calçadas, noventa por cento de ferro na alma- aqui até os córregos são de ferro). Descobri consultando papéis amarelados cinco gerações acima da minha. Famílias enlaçadas eternamente, primos casando com primos, nomes se repetindo, confundindo a trama da árvore genealógica, induzindo erros. Ezechias, Silvérios, Justinos, Amorins. De onde terá vindo esse povo? Em fotografias antigas encontro traços do meu rosto, restos de minha história. Uma barba, uma ruga, traços que cupins e traças não conseguiram destruir, que o tempo não conseguiu apagar, impressos no meu rosto, calcados em minha alma... conseguirei descobrir as pessoas por trás dos nomes, das datas, das suposições? A história não guarda os sentimentos. Olhando uma fotografia antiga, vislumbro bondade nos olhos de antigos avôs. No rosto de tios que estão por perto reconheço a placidez. Relembrando a bondade de meu pai e minha mãe fica impossível não acreditar na benevolência de meus antepassados, mesmo os mais distantes e nunca conhecidos. Quero crer que essa maneira de amar nem sempre declarada, mas vivida, esteja sendo transmitida há muitos tempos.
Quanta coisa ainda não sei desses antepassados... As pessoas só estão em si mesmas. Não há como descobri-las, a não ser que elas se mostrem. Se um desses avôs aparecesse aqui, não o temeria. Sentaríamos e eu faria uma longa entrevista, conversando sobre tempos passados, passadas pessoas. A injustiça da morte é a separação. Por isso sofremos quando nos separamos de um namoro, de um casamento. É uma pequena morte... Por isso não nos conformamos com os falecimentos e deve ser por isso que existem algumas crenças sobre fantasmas. Aquela história de que uma vez por ano o mundo dos mortos abre suas portas para um passeio na terra seria bem interessante para colocarmos os assuntos em dia. Eu poderia tirar muitas dúvidas sobre antepassados.
Manuel Bandeira se preparou para a morte durante toda sua vida. Dizia que quando a morte chegasse iria encontrar tudo pronto, " lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar." Eu não sou muito organizado, muito menos conformado. Quando minha hora chegar, ( e existe uma profecia não declarada de que se eu passar dos quarenta e sete chego aos noventa) possivelmente a morte vai me encontrar esperneando, com um monte de coisa ainda por fazer. Talvez fique mais fácil eu lembrar a poesia de Raimundo Fagner " a não ser quando a morte vier, e me pegar sorrindo, querendo ficar" . Talvez na hora da partida eu tenha tempo de insistir na minha teimosia e com alguma argumentação consiga, não adiar a hora que é inevitável, mas conseguir um salvo-conduto para transitar entre dois mundos. E aí, meus amigos, acreditem ou não, vou ser o fantasma dessa cidade. Não um fantasma que assombra assustando os incautos. Nem um Gasparzinho, angustiado que está eternamente à procura de amigos. Só um velho que caminha pelas ruas, se senta nos bancos das praças, vê estrelas e talvez converse com elas (Ora, direis, ouvir estrelas...) Um vulto que conhece as árvores e sua história, que proteja os ninhos dos passarinhos e perambule nos quintais das casas, relembrando fatos passados, contando histórias para as pedras. Talvez de vez em quando bata uma tristeza pelas descaracterizações do tempo na cidade conhecida e amada. Mas se algum dia um bisneto, tataraneto ou algumcoisaneto começar a pesquisar e encontrar papéis e fotos antigas, antigos arquivos de internet e quiser me decifrar, eu estarei ali, à disposição, sem susto, sem pressa. Pronto para conversar.
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