quarta-feira, 11 de julho de 2012

Chuventude - 17/02/2002


              A chuva de verão veio forte, farta e num instante encheu a rua de enxurrada grossa. A água desceu das nuvens rapidamente e arrastou no chão a areia, as folhas, ciscos e até pequenas pedras. Marcou sua passagem. Sacudiu a vida modorrenta das pessoas.
-Corre, fecha a janela!
-Tira a roupa do varal!
-Recolhe a gaiola do passarinho!
-Entra, menino, senão pega um resfriado!
              E a chuva, impassível, caindo. A enxurrada grossa, caudalosa a caminho do rio.
              Os peixes devem gostar de chuva assim, que traz novidades da cidade. A água que vem das ruas traz restos de alimentos, insetos apanhados de surpresa, papéis, palitos e pedaços de jornais com notícias que não dizem respeito à vida dos peixes. Dos barrancos dos rios descem frutos, sementes, capins na água suja.
              Sim, os peixes devem ficar felizes. Devem até torcer para que não pare nunca a tempestade.
-Que transborde o rio!
-Que se alaguem as cidades!
-Que não tenha medida o horizonte aquático!
              O vento sopra furioso. Árvores balançam, gemem, se curvam. Galhos se quebram. Onde será que os passarinhos estão nessa hora?
              Os meninos miram nas janelas. As mães rezam no quarto.
-Acende uma vela!
-Queima a palha benta!
-Valei-me minha Santa Bárbara!
              E a chuva faz-se de surda, irredutível.Quem se atreveria a desafiar sua força?
              Eu ainda me lembro de quando o amor era assim como a tempestade, arrebatador. Passava sobre tudo, só queria desaguar. Impetuoso. Imbatível. Quantos adjetivos...
              Hoje somos rios secos de barrancos abissais...
              Se o amor não for assim, avassalador, o que vai ser de nós? Leitos vazios, estéreis?
              A garoa molha a terra, mas não provoca enchentes. E ansiamos a paixão! A força dos ventos, o entrechocar dos galhos, a festa dos peixes, a lavagem das ruas!
              Para o inferno o amor acomodado! Sem paixão, sem revolução! Mil vezes o amor juvenil, sem razão, só idealismo, só coração!
              Enquanto é tempo, vem. Enquanto há sementes vivas, vem. Ainda há nuvens carregadas querendo desaguar no solo seco. Ainda há a possibilidade da mudança. Pode ainda ser a hora de sair na chuva e deixar a chuva encharcar nossa alma. E talvez ela traga um pouco da juventude que perdemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário