Na semana passada percebi que não iria escrever a crônica. Quando fui convidado pelo idealizador desta homepage, meu amigo Flaviano, me comprometi com ele a escrever uma crônica por semana. Ainda na fase experimental do site, tento manter este padrão, até para me acostumar com o compromisso.
Motivo para não escrever? Na verdade não tinha nenhuma desculpa para não fazê-lo. Foi só falta de dedicação para sentar e escrever, mas, deliciosamente fui protelando a coisa, enrolando até não dar mais tempo. Confesso que gosto de ter algo para fazer. E não fazer esse algo. É a louvação da preguiça. Ou do fazer nada. E devagarzinho eu me peguei planejando não escrever a crônica da semana só para poder falar das vezes que falhamos (este é o título a ser evitado, já que pode ser mal interpretado) e do direito de ficar na preguiça.
Poucas pessoas sabem desse prazer ou se dão direito a ele. A civilização cristã se baseia no trabalho em três aspectos principais. O primeiro é que o trabalho foi um castigo de Deus pela desobediência de Adão: 'Hás de se alimentar com o suor de teu rosto", e assim os homens estão condenados ao trabalho.
O segundo aspecto é o do sacrifício também pregado pela religião. Haveremos de nos sujeitar ao trabalho mesmo que estafante, já que todo sacrifício seria bem recebido por Deus como forma de entrega, de gratidão pelos dons e benefícios recebidos.
E por último há ainda o conceito de que o trabalho é o único meio honesto, e portanto justificável, para se acumular riquezas e usufruir dos seus benefícios (se der tempo, porque afinal você poderá ter seu tempo reservado para trabalhar mais).
Com a autoridade a mim atribuída por ser senhor absoluto desse espaço, ouso questionar todos estes argumentos e louvar a preguiça e o ócio. Tudo bem que os descobridores do país tenham trazido o progresso, a civilização, a religião e a ideologia; mas a porção indígena que habita algum canto desconhecido da minha árvore genealógica clama por uma indolenciazinha. Não foi sem motivo que o índio não serviu de escravo para os portugueses. O costume deles não era o de trabalhar de sol a sol, mourejando em busca de enriquecimento. A riqueza dele estava à sua frente: a comida e a vida sossegada.
Tudo bem. Eu sei que é preciso trabalhar e que, infelizmente, não dá mais pra viver no meio do mato como um bugre, mas nem por isso é necessário se entregar a ilusões capitalistas. Trabalho é bom, mas cansa muito. Bom mesmo é se entregar à ociosidade de vez em quando e curtir o prazer de descansar antecipadamente. Falhar de vez em quando (no bom sentido) pode nos fazer bem. Nos lembrar que somos seres humanos, que temos falhas, que precisamos de tempo para nos refazer e que o mundo não vai parar por causa disso. E se ele parasse um pouquinho, talvez até fizesse bem para ele.
Essa crônica de hoje é dedicada a alguns amigos que comungam dessas idéias e junto dos quais um dia será fundado um grupo de defensores fundamentalistas da preguiça. Será uma milícia armada de rede na varanda e usando varas de pescar como munição. Não poderá faltar um bom livro para se ler e boas músicas para se escutar. Este grupo só não se formou ainda por absoluta falta de tempo. Ou excesso de preguiça.
Ronaldo Amorim Teixeira é professor e trabalhou meia hora em uma sexta-feira para que você pudesse ler essa crônica. Ronaldoat@yahoo.com
Nota: no momento em que escrevo, estou ouvindo uma música muito legal: Angie dos Rolling Stones, um bruta blues. Tudo bem que ela seja antiga, mas é boa.
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