quarta-feira, 11 de julho de 2012

Olhos Para Ver - 23/03/2002

                   É incrível como nossos olhos, ou talvez nossos corações, não enxergam as coisas... Acho que é esse sentimento de querer enxergar que torna algumas pessoas diferentes: poetas, malucos, artistas e visionários. Parece-me que a poesia nada mais é do que isso: uma maneira diferente de enxergar o que está do nosso lado, e não vemos... E quando lemos uma frase ou uma  poesia que nos sensibiliza, nos perguntamos: " Como não enxerguei isso antes? Esteve do meu lado o tempo todo???" Aí mora o perigo, mas aí também mora o prazer o mistério e um mundo de possibilidades.
                    Quando morei em São Paulo, e tinha muita muita melancolia por estar lá, eu costumava procurar ver luas e céus de estrelas por trás da poluição. É claro que nunca encontrava e ficava possuído de um espírito de nostalgia, lembrando dos céus de Minas. 
                    Quinze anos depois de voltar para nossa cidadezinha, parece que a vista vai se embotando, e a procura por enxergar essas belezas parece que se cansando. Mergulhados na mesmice cruel não nos espantamos mais diante da beleza que nos comovia. Deveria haver um colírio que nos abrisse os olhos... Em relação à noites estreladas, recentemente voltei a percebê-las casualmente.Aconteceu de eu ter que ir ao quintal de minha casa à noite para tratar de minha cachorrinha. Devido a mais uma das minhas displicências, esse é um local absolutamente escuro. A lâmpada queimou há uns dois anos e ainda não troquei. Depois do que vi naquela noite, dificilmente colocarei outra lâmpada no lugar.  A minha cachorrinha é uma rotweiller grande e negra e  tratar dela na escuridão é meio apreensivo, pois tenho que colocar a mão dentro da casinha dela sem nunca enxergá-la lá dentro. Apesar da extrema docilidade dela para conosco, sempre penso que ela pode um dia estar mal-humorada e resolver dar uma dentadinha. Envolto nesses pensamentos foi que ,voltava para dentro de casa e dei de cara com uma noite sem lua e com o céu coalhado de estrelas, como há tempos não notava. Certamente ele se ofereceu aos meus olhos várias vezes, eu é que não o quis ver. Impossível não lembrar da música "Luar do Sertão" de Catulo da Paixão Cearense, que tantas vezes cantei. " Não há, oh gente oh não, luar como esse do sertão". Existe por aí até uma versão grosseira e infeliz, mas a letra original é muito bonita. Ele vai descrevendo as belezas existentes. Se eu pudesse acrescentaria que: coisa mais linda, neste mundo não existe que o quintal da minha casa numa noite de luar ou de estrelas, ou até mesmo de chuva, desde que eu tenha olhos para ver.
                    Acostumados que estamos a ver as dificuldades e os defeitos, deixamos de enxergar o belo que se nos apresenta. Essa semana, na aula de Produção de Textos, pedi para os alunos fazerem uma descrição de si mesmos com narrador em terceira pessoa, ou seja, como se fosse outra pessoa falando de suas características. Ora, é notório que a maioria dos alunos de hoje têm dificuldades para escreverem e estamos sempre prontos a observar a imensidão de erros que cometem. Precisamos obter olhos para ver os acertos. Pois bem, nessa semana uma aluna me ensinou um bocado com uma frase de seu texto. É uma garota legal chamada Alessandra. É mais calada, ensimesmada e um pouco tensa em relação aos colegas. Na descrição também tensa de si mesma, Alessandra diz que "Ela é a tempestade e o vento." Puxa, Alessandra, que legal. Você captou a essência dos seres humanos. Somos a tempestade e o vento que nos molha e nos açoita. Que nos refresca e nos castiga,  que nos alivia e que nos carrega. Não é fácil sermos seres humanos. Tempestade e vento... Talvez seja por isso tão difícil a arte do encontro. Como harmonizar duas tempestades? Como canalizar dois ventos que querem se transformar em furacões? Haverá soluções? Há respostas?
                   Além de tempestade e vento o ser humano é, principalmente, uma interrogação.

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